Herzog
& De Meuron
Centro
cultural, São Paulo
·Detalhes
23 de Maio de 2012.
Versão atual de uma das
imagens conceituais do projeto, representado já com suas dimensões reduzidas.
A praça entre o centro
cultural e a Sala São Paulo/Secretaria de Estado da Cultura seria espaço
estratégico, de acesso e conexão entre as duas edificações
Luz se prepara para o
projeto 343
Março será decisivo para o
projeto do Complexo Cultural Luz, que os suíços Jacques Herzog e Pierre de
Meuron estão desenvolvendo para a Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo.
Devem ocorrer as audiências públicas de apresentação e debate do projeto e,
assim, “é provável haver, já em dezembro, alguma movimentação no terreno”,
declara o secretário da Cultura, Andrea Matarazzo, confiante na maturidade do
trabalho.
A partir de 2013 devem ser
três anos de construção e, assim, em meados de 2016, os amantes da música e
dança terão à disposição uma espécie de parque tropical habitável, na região
central da capital paulista.
A malha de áreas verdes da
região da Luz embasa conceitualmente o projeto. Sua linguagem fluida orientou o
desmembramento da caixa do teatro em dois volumes paralelos
O Complexo Cultural Luz,
projeto do escritório suíço Herzog & De Meuron, é um misto de escola e
centro de espetáculos, abrigados em um edifício de
concreto composto por lajes superpostas e deslocadas em malha ortogonal,
totalizando 200 metros de comprimento por 90 metros de largura.
Por três meses acompanhamos a
equipe que está desenvolvendo a muitas mãos o Complexo Cultural Luz. Faltam
dois ciclos, do total de dez, para a finalização do projeto
básico, com o que se pretende pré-qualificar as construtoras e planejar o
edital da obra.
Herzog, De Meuron e Ascan
Mergenthaler, sócio do escritório suíço, trabalham em sincronia com os seus
parceiros de engenharia, acústica, instalações,eficiência energética,
estrutura, fachada e paisagismo, entre os quais figura o time brasileiro que dá
o suporte local e interfere nas decisões de projeto.
Está a cargo da inglesa TPC -
Theatre Project Consultants a consultoria de teatro, e aos conterrâneos da Arup
os projetos de estrutura, sustentabilidade e instalações, desenvolvidos
em parceria com os brasileiros da Contag (fundações), Favale (estrutura),
L&M (instalações), Proassp (impermeabilização) e Empro Engenharia
(elevadores).
Já os alemães da Mueller- BBM
concebem a acústica e os sistemas de fachada em conjunto com a consultoria
local de Paulo Duarte e Harmonia Acústica, enquanto os cariocas de
Bernardes e Jacobsen Arquitetura tropicalizam o projeto arquitetônico e Isabel
Duprat concebe o paisagismo.
Todos coordenados no Brasil
por José Luiz Canal, o engenheiro- -arquiteto que esteve à frente da obra da
Fundação Iberê Camargo, de Álvaro Siza, em Porto Alegre.
“Nossa tarefa é a da
construção com alto padrão e excelência técnica.
Este modelo simula a
interação dos fluxos na rampa central do complexo cultural
As salas de aulas deverão ter
fechamentos envidraçados, com generosa iluminação natural e vista para um dos
jardins propostos no projeto paisagístico
Conceitualmente, o projeto é
o somatório de lâminas sobrepostas e entrecruzadas
Se a Fundação Iberê Camargo é
um relógio que funciona bem, é porque teve um time competente”, ele analisa.
Simultaneamente ao projeto paulista, estão nas pranchetas deste time de
consultores projetos arquitetônicos e urbanísticos na Ásia, Europa e Américas.
A cada etapa corresponde a aprovação
pela Secretaria da Cultura, refinando-se passo a passo não apenas a efetivação
do conceito arquitetônico, como também os preparativos para a construção com
tecnologia nacional.
Programa consolidado
As imagens a seguir refletem
o estado atual do projeto, consolidada a revisão do programa que ocorreu no
final de 2010.
Reduziu-se a área construída
de 90 mil para 70 mil metros quadrados e “o projeto respirou, reconquistando a
transparência e a permeabilidade do conceito arquitetônico”, analisa Matarazzo.
O programa atual contempla a
criação de três teatros - o de dança, o experimental e o de recital,
respectivamente com capacidade para 1.750, 400 e 500 espectadores -, as
instalações das sedes da Escola de Música Tom Jobim e da São Paulo Companhia de
Dança, além de áreas sociais, administrativas, técnicas e estacionamento para
850 veículos.
É intensa a agenda de
entregas e reuniões remotas do time de projeto, entremeadas por workshops
realizados no escritório Herzog & De Meuron na pequena cidade suíça de Basel.
A sede do estúdio e os
escritórios-satélites de Nova York, Madri, Hamburgo e Londres (estuda-se a
possibilidade de criação de uma unidade em São Paulo quando começar a
construção na Luz) reúnem os 356 profissionais vindos de vários continentes e
organizados nos grupos dos cerca de 40 trabalhos que estão em desenvolvimento
atualmente. Deles, o número 343 é o que identifica o projeto de São Paulo.
A sala de trabalho 343 é a
própria memória do projeto. Há maquetes sobre mesas, armários e nichos suspensos
e as paredes de livre acesso são tomadas por impressos de diagramas, plantas,
planos de massa, programas, cortes e todo tipo de imagem relativa aos assuntos
em discussão em cada fase do trabalho.
A dupla de impressos e
modelos funciona, então, como extensão da atuação individual de cada membro da
equipe, sempre à mostra, a fim de revelar o estado do projeto.
Perspectiva aérea na
longitudinal do complexo, localizado no centro da imagem. O edifício é paralelo
à Sala São Paulo/Secretaria de Estado da Cultura, contrastando a linguagem
oitocentista desta e a fluidez do novo complexo cultural
Esta maquete 1:200 simula as
ideias do projeto paisagístico na etapa atual de desenvolvimento do trabalho.
Árvores altas e esguias no
interior da edificação fariam frente à malha intrincada de pés-direitos
distintos,
enquanto as de grande porte,
nas bordas transversais do complexo, filtrariam as visuais e acessos
Vistas conceituais do projeto
desde as ruas envoltórias
O material está organizado em
grupos, que correspondem aos vários subprogramas do centro cultural - os
teatros, as escolas de música e de dança, os espaços públicos, o
paisagismo, os elementos e os sistemas arquitetônicos.
“Temos equipes para esses
programas e cada arquiteto passa muito tempo testando com os modelos as ideias
propostas.
Nossas maquetes servem como
instrumento de precisão, não para criar formas imediatamente”, relata Tomislav
Dushanov, um dos líderes do projeto.
O processo sequencial de trabalho,
então, ganha traço orgânico, porque as decisões de cada etapa interagem de tal
forma que o projeto é ajustado, intelectualmente, a todo momento.
A sedução dos teatros
“Teatros são edificações
instigantes, misto de ciência, arte, arquitetura e tecnologia”, reflete David
Staples, um dos líderes da TPC em Londres.
Refazendo os passos de cerca
de quatro décadas dedicadas à profissão, com 56 países na rota de trabalho, ele
contabiliza milhares de teatros de drama pelo mundo, centenas de salas de
concerto, muitas casas de ópera, mas poucos teatros de dança, como o que se
pretende construir em São Paulo. Acontece que o campo de visão é mais restrito
no teatro de dança.
Quanto mais frontal e em
menos desnível o espectador estiver em relação aos bailarinos, melhor; e a
acústica deve privilegiar o som natural em detrimento do amplificado, para
haver o equilíbrio entre o que se ouve e o que se vê.
Demandas desse tipo é que
tornam ambicioso o projeto paulista, sobretudo quando se pensa no elevado grau
de exposição e transparência da arquitetura que Herzog & de Meuron
conceberam. “Será um ícone sul-americano”, opina o secretário Andrea Matarazzo.
Foi da janela da sala do
então secretário da Cultura, João Sayad, que em 2008 Staples vislumbrou pela
primeira vez o terreno de 18 mil metros quadrados reservado ao complexo
cultural, na época ocupado por edificações de pequeno porte e pela galeria de
comércio popular que nos anos 1990 se instalou na sede da antiga rodoviária de
São Paulo. Deles, resta atualmente apenas o prédio do Corpo de Bombeiros, quase
no centro do lote plano.
Rememorando o início do
projeto, Staples assinala que há sempre uma pressão artística para manter o
teatro o menor possível - “porque teatros são locais de comunicação intimista”
- e outra, comercial, para fazê-lo maior.
Axonométrica de distribuição dos teatros
A. Teatro de dança
B. Teatro experimental
C. Recital
Axonométrica assinalando os espaços da escola de música e dança
Vistas conceituais do projeto
desde as ruas envoltórias
Ele continua “entusiasmado
com a complexidade intelectual” do projeto de São Paulo, com a autoridade de
quem está no processo desde o planejamento estratégico, passando pela eleição
dos arquitetos - Norman Foster, Rem Koolhaas, Cesar Pelli e Herzog & De
Meuron foram entrevistados e elaboraram propostas para o complexo cultural -,
elaboração do intrincado programa e, agora, o acompanhamento do seu
estabelecimento pela arquitetura.
No fim de uma tarde
ensolarada de novembro passado, com a avenida Paulista tomada por passeata
estudantil, Staples iniciou a conversa sobre o projeto do complexo da Luz
elogiando o desempenho de Jacques Herzog na palestra da manhã anterior, no
Auditório Ibirapuera, para plateia predominante de estudantes de arquitetura.
“Jacques foi um excelente
ator, com excelente script”, sentencia Staples, referindo-se à opção do suíço
de falar sobre a fatura do seu trabalho através dos projetos de três pequenos
pavilhões.
Toda a complexidade de um
Pritzker implícita em imagens de aparente simplicidade foi momento marcante
para Staples: “Acredito que, dos star architects, Jacques e Pierre são os mais
próximos de não terem estilo”, ele conclui.
Simplicidade complexa
No caso do projeto paulista,
a ausência de estilo (formal) se dá pela recusa à criação de um objeto coeso,
escultórico. Não há ícones à mostra, não há malabarismos formais ou
excentricidades tecnológicas, nem mesmo saltam aos olhos, em meio à cidade, os
volumes dos teatros.
Na análise de Thiago
Bernardes trata-se, antes, da visão estrangeira de um parque tropical, verde,
transparente e vazado, habitado ainda pelas escolas, conjunto de teatros e
facilidades do centro cultural.
O raciocínio conceitual é que
há no bairro da Luz uma centralidade urbana (cultural e paisagística) que pode
ser revelada materialmente, e o projeto, com sua morfologia de escola-parque ou
bloco pavilhonar sem muros, mimetiza essa relação especial do construído com a
massa verde, latente na área.
O edifício sem fachadas é
apreendido como balcões soltos e suspensos, visíveis da rua em meio às copas
das árvores.
Assim, se o programa não é o
de um teatro ou uma escola isoladamente, mas de um conjunto deles, não há
hierarquia primária a se comunicar com a arquitetura.
Elege-se, ao contrário, uma
sensação do lugar - vazado, verde, transparente e de conexão entre edifícios de
programas compatíveis -, que está na origem do conceito do projeto.
Embora as lajes sobrepostas e
deslocadas entre si percorram todo o limite do terreno, não há a contrapartida
de um prédio monolítico de concreto, algo semelhante a um exemplar modernista
corbusieriano.
Na via oposta, a arquitetura
fluida resulta da ausência de fachadas e dos vazios criados pelos balanços e
afastamentos entre lajes, tanto nas bordas quanto no interior da edificação.
É desse espaço vazado e da
malha intrincada de pés-direitos - que variam de quase três a 15 metros - que
tira partido o projeto paisagístico de Isabel Duprat, com o qual se pretende
enquadrar com jardins cada janela das salas de aulas.
Cerca de duas centenas de
árvores e forrações com texturas inspiradas na mata tropical estão sendo
consideradas para o projeto, além de espelhos d’água que, no térreo, pretendem
refletir a luz natural que atravessa as aberturas das lajes de cobertura.
O paisagismo está estruturado
em faixas nas bordas do edifício que se destinam tanto à integração da
arquitetura com o eixo verde da Luz quanto à transição dos domínios públicos
para os semipúblicos.
Já nos interiores, um jardim
transversal, com dez metros de largura, vai demarcar a rampa suspensa e central
que terá a função de ordenar os fluxos.
Uma das imagens impactantes
do complexo é justamente a da lâmina contínua e transversal com que a rampa se
projeta no ambiente externo. Suas dimensões, traçado e conexão com os foyers
dos teatros e áreas de ensaio de dança e música indicam que a rampa, além de
elemento distribuidor de fluxos, deverá funcionar como importante ambiente
interno de estar, suspenso, a partir do qual se pode visualizar toda a
complexidade de organização do programa.
Os teatros, distribuídos em implantação triangular, cada qual próximo a uma
face do edifício, são envolvidos pelas instalações das escolas, áreas de
entretenimento, estar, administrativas e técnicas, devidamente afastadas entre
si de modo a preservar a fluidez, a transparência e a simultaneidade de
atividades.
Numa das maquetes 1:200, por exemplo, as salas de ensaio estão representadas
por invólucro transparente, mas o que está em processo nesse momento é a
eleição da materialidade de cada superfície interna de vedação.
Há múltiplas visuais inter- -relacionadas, pois os recuos entre lajes geram
vazios que explicitam a totalidade do programa no domínio interno, de modo que
a simples aparência conceitual tenha em contrapartida uma intrincada rede de
articulações que desafiam a engenharia e a arquitetura.
É essa complexidade que mantém engajados todos os membros da equipe do projeto.
Texto
de Evelise Grunow
Publicada originalmente em PROJETODESIGN
Edição 385 Março de 2012
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Grande abraço
Ary Neto