Campos Eliseos

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CAMPOS ELISEOS - SÃO PAULO

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

MULHERES SÃO AS MAIS VULNERÁVEIS NAS CRACOLÂNDIAS


CRACK SEM FIM NA REGIÃO CENTRAL DE SÃO PAULO !!!


Paro o carro em um sinal da av. Duque de Caxias, no centro de São Paulo, e ela bate na janela: "Ô tia, me ajuda. Tô com fome". Ofereço o que tinha no banco ao lado: maçã, banana e um saquinho de snacks de soja, meus lanchinhos da tarde. Meio a contragosto, ela pega o saquinho e se afasta. Pelo retrovisor, vejo-a batendo na janela do carro atrás do meu. O motorista faz sinal de negativo, e ela se afasta.
Não deve ter mais do que 20 anos. Está suja e visivelmente alterada pelo crack. Lembro-me imediatamente de Loemy Marques, a "loira magra, de 1,79 metro de altura e olhos verdes" (segundo descrição das revistas), que ocupou a atenção da mídia em novembro passado. Ela está em tratamento contra a dependência em uma clínica particular, bancada por uma emissora de TV.


A nossa personagem é negra, descabelada e desdentada, assim como muitas que circulam pelas ruas do centro e seguem invisíveis.
Nas cracolândias, as mulheres são as mais vulneráveis, segundo estudo da Fiocruz com 32.359 usuários de crack pelo país, divulgado em setembro. Elas representam, em média, 20% dos dependentes. Muitas se prostituem e se sujeitam a violências. Cerca de 8% delas eram portadoras de HIV e 2,23% tinham hepatite C. Entre os homens, respectivamente, os índices foram 4,01% e 2,75%.
"Até para mim, que sou acostumado a trabalhar nessa área, nunca tinha visto uma população feminina tão maltratada e tão magoada. Agressão física, abuso sexual, nenhuma assistência pré-natal. Quando me perguntam o que me chocou mais como médico, eu digo que foi ver pessoas em uma situação tão precária, precisando tanto de ajuda", contou à "Agência Brasil" um dos coordenadores do trabalho, o médico Francisco Inácio Bastos.

No momento das entrevistas, 10% das mulheres relataram estarem grávidas. Mas menos de 5% delas faziam o pré-natal regularmente.
A pesquisa também mostrou outro dado desolador: menos de 5% dos entrevistados permaneceram no tratamento até o último mês.
A verdade é que o país ainda carece de um modelo de assistência baseado em evidências científicas para cuidar do crack. Os Caps, centro do sistema de assistência à saúde mental, não dão conta do tamanho e da complexidade do problema.

O pesquisador da Fiocruz defende que os governos deveriam fazer um plano integrado para tratamento do abuso de substâncias químicas vinculado à rede geral de saúde (Unidades Básicas de Saúde, Unidades de Pronto-Atendimento, programas de Saúde da Família) e não apenas aos centros de dependência química.
Sugestões semelhantes já foram feitas pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) em 2010, mas continuam sem escuta. Enquanto isso, o que mais vemos são medidas fragmentadas, descontextualizadas e ineficazes a longo prazo. Mais um Caps aqui, mais uma residência terapêutica ali. São ações que podem alimentar o marketing político, mas estão longe de conter a epidemia do crack que assola o país. 

cláudia collucci
Cláudia Collucci é repórter especial da Folha, especializada na área da saúde. Mestre em história da ciência pela PUC-SP e pós graduanda em gestão de saúde pela FGV-SP, foi bolsista da University of Michigan (2010) e da Georgetown University (2011), onde pesquisou sobre conflitos de interesse e o impacto das novas tecnologias em saúde. É autora dos livros 'Quero ser mãe' e 'Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'. Escreve às terças.

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